Longe por mais de 30 anos do dia a dia de Santos, o midiático Raul Christiano Sanchez retornou ao município abraçando o papel de secretário da Cultura da Cidade. E alcançou um inegável feito na sua gestão de 2013 e 2014: levou às políticas culturais para a imprensa e Internet.
A transparência na gestão reflete em números neste biênio. São 900 fotos no Instagram, 2,1 mil publicações no Facebook e outros 14 mil tweets. Se desde 2000 era incógnita a presença de um secretário da Cultura em festivais, Raul preferia registrar cada ação que envolvia a pasta: reuniões, exposições, shows… Enfim, o membro da Academia Santista de Letras se fez um livro aberto.
Principalmente em entrevistas a veículos, e eu – admirado com esse modo aberto de fazer política –, provavelmente fui o que mais acompanhei seus passos pelo jornal A Tribuna. De anúncios a reformas de teatros públicos a polêmicas com o movimento artístico, jamais me escondeu as informações e também a sua opinião. Mais uma vez, Raul avalia nesta entrevista virtual sobre os principais pontos de sua gestão.
ENTREVISTA
A sua gestão iniciou com a fatalidade em fevereiro no Carnaval de 2013, com quatro mortes e o seu indiciamento além de mais cinco pessoas. A partir daí, foi remodelada a segurança, organização e capacitação das escolas de samba por meio do Centro Cultural da Zona Noroeste. Como avalia essas mudanças no evento e na relação da Secult com as agremiações nestes dois anos? E o processo jurídico sobre esta tragédia já foi resolvido?
Executamos um projeto de Carnaval do governo anterior ao do prefeito Paulo Alexandre Barbosa, não tivemos tempo de modificar nada, principalmente porque ele foi concebido para ser o primeiro utilizando a nova estrutura da Passarela do Samba, concluída em dezembro de 2012. O acidente foi uma fatalidade e o processo ainda está em andamento.
Para realizar o primeiro evento do começo ao fim, em 2014, nosso segundo Desfile de Escolas de Samba, planejamos todos os detalhes, aprimorando o que estava bom e mudamos a característica de antes, com exigências radicais com a segurança, conforto do público e diálogo permanente com as escolas.
Nosso objetivo sempre foi reduzir ao máximo os investimentos públicos no Carnaval, porque temos essa festa de volta ao cenário nacional com possibilidade de ser tratada como um produto de marketing e turismo fortes e com um leque de vantagens para Santos. A Secult pode ter papel de fomento e regulação num futuro próximo, se a Prefeitura continuar insistindo em manter esse evento sob a responsabilidade da secretaria.
Logo no primeiro ano, também você anunciou o fechamento do Teatro Coliseu por problemas no telhado e no sistema de ar-condicionado. A reabertura contou com a iniciativa privada sem ônus para a Prefeitura e até com garantia para futuros ajustes. Em quais projetos você se inspirou para essa parceria e quais foram os argumentos de contrapartida dados às empresas?
O Teatro Coliseu é um patrimônio da Cidade e da região. Por suas características históricas e por ser um bem tombado, qualquer intervenção em sua infraestrutura depende de muitas autorizações e de recursos maiores, porque os serviços especializados para a sua manutenção são mais caros. A reforma do Coliseu foi cara, descontinuada e longa, porque quando esse projeto foi decidido há vários anos, ele foi com base numa construção normal. E não é.
Os defeitos que corrigimos na atual gestão foram constatados na própria reinauguração em 2006. O sistema de ar condicionado, contam, não funcionou naquela noite de gala. E o telhado apresentava defeitos por causa de furtos de telhas e da própria estrutura defeituosa. Isso provocava interferências nos sistemas elétricos, algumas paredes davam choque, inclusive.
Quando assumimos fizemos um relatório pormenorizado desses problemas e solicitamos que o Corpo de Bombeiros emitisse o AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros), antes de qualquer providência de adequação. Resultado: uma lista de solicitações. Começamos a cuidar de resolver essa lista de pendências com um pedido para que técnicos do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) verificassem as condições das torres de resfriamento do ar condicionado. Tudo muito precário. Tubulações com alto grau de corrosão e sistemas de controle e de distribuição do ar superados e frágeis.
Não tínhamos previsão orçamentária para realizar essas obras de recuperação, mas também não tínhamos condições de manter o teatro funcionando com risco à vida das pessoas que o frequentavam. Tomamos a decisão de fechá-lo e buscar alternativas inspiradas em outros países, quando empresas atuantes nas cidades investem em bens públicos e de interesse de toda a sociedade. Lá fora chamam isso de responsabilidade social, que fortalece a imagem das empresas no mercado de atuação delas. Aqui, batizamos de responsabilidade cultural.
A contrapartida da Prefeitura foi divulgar, sempre que havia uma avaliação sobre o andamento da obra, a importância da atitude da Franz Construtora/Grupo Odebrecht e da Inaplan/Grupo Mendes, que investiram R$ 2 milhões em material, equipamentos e profissionais especializados, entregando em condições de uso melhores e com garantia dos serviços realizados.
Com a tragédia do Carnaval e o fechamento do Coliseu, a Secult não tinha verba para o edital do Facult em 2013. Nestes dois anos também foram mencionados outros atrasos financeiros, como cachês de artistas nas tendas de verão, salários dos professores da Escola de Artes Cênicas, repasse de verbas ao Festa e a parcela final do Facult de 2014.
Quais são as causas: má gestão, excesso de funcionários, excesso de equipamentos, excesso de eventos no calendário municipal? Hoje, você lidaria de outro jeito para evitar situações assim?
Santos cresceu em todos os sentidos, mas os recursos para as necessidades do setor cultural continuam sendo atendidos por demandas. O cobertor é curto, mas o prefeito sempre procurou atender às nossas necessidades emergenciais. O Orçamento da Secult estava em R$ 22 milhões, em 2013; R$ 25 milhões, em 2014; e terá R$ 31,5 milhões, em 2015. Só de folha de pagamento dos servidores estatutários, os valores variam de R$ 15 a R$ 18 milhões de reais. O Projeto Verão e o Carnaval, por exemplo, consomem um terço do orçamento.
Daí, gerir é um desafio e tanto. Não há excesso de funcionários ou de equipamentos. Há demandas cobradas com justiça pela população e eventos tradicionais que dependem quase que 100% de verbas públicas. Como as torneiras de algumas empresas estatais estão fechando, certos ativistas, antes de buscarem outras alternativas, voltam-se para a Prefeitura e, por consequência, para as suas secretarias de Cultura. Não há como atender.
Os atrasos foram pontuais, no início do governo, em 2013, porque alguns artistas atrasaram na apresentação das suas documentações, que conseguimos resolver para os eventos seguintes com um cadastro confiável de artistas, grupos etc. Um outro fator, para justificar essas falhas, tem a ver com a evolução da receita municipal, com a crise econômica.
Os desenhos eram feitos para uma realidade de superávits orçamentários e a condição financeira do país não respondeu a isso. O caminho é ter projetos elaborados com antecedência, prevendo a parcela de verbas públicas, os patrocínios e as contrapartidas, além de somente inserir o logotipo da Prefeitura como apoiadora.
É inegável que seu mandato foi marcado pela sua ampla participação no calendário cultural e pela transparência e, com isso, debates e embates com a classe artística em relação ao Facult de 2013, às OSs e verbas de festivais. O que você leva dessa experiência na transparência e no relacionamento com os artistas da Cidade?
No meu histórico de vida e militância cultural, social, ambiental e política, o diálogo sempre predominou. Senti que alguns defendem a democracia, mas a querem sem respeitar as regras do jogo democrático. Falta um pouco mais de Educação na Cultura. Agir à luz do dia, por exemplo, sem arapucas e sem populismo, ajudaria mais nessa relação. Contudo, os debates e embates só foram possíveis porque estivemos dispostos a isso, abrindo portas, oferecendo espaço ao diálogo, criando condições institucionais para isso.
Além de estar sempre prontos para ouvir a todos os segmentos, valorizamos o Concult (Conselho Municipal de Cultura), promovemos reuniões com os segmentos, quase por inteiro (música, por exemplo), realizamos a Conferência Municipal de Cultura, aderimos ao Sistema Nacional de Cultura, definimos o calendário para elaboração do primeiro Plano Municipal de Cultura de Santos, com um horizonte de 10 anos. Estamos no jogo.
Outra marca de sua gestão foi a atenção aos AVCBs e às reformas: no MISS, no Teatro Braz Cubas, no Teatro Guarany, no Teatro Rosinha Mastrângelo e na Concha Acústica. Destas iniciativas, pode citar brevemente o andamento de cada uma? E quais foram as causas do adiamento das obras do Rosinha e da Concha, aliás, o atraso desta renderá multa da Prefeitura?
Nossa gestão foi marcada por chamar a atenção de todos, principalmente do setor público, no caso a Prefeitura, para mudar o tipo de tratamento dado aos equipamentos culturais. Não há no Brasil uma política de manutenção e por isso Santos não é privilegiada em ter quase que todos os seus equipamentos deteriorados, carecendo de melhorias, mais do que paliativas.
Nossa gestão foi marcada pela busca do AVCB para teatros locais, as tendas de verão, a Passarela do Samba. Fechamos o Teatro Municipal, por exemplo, porque o urdimento do palco necessitava da urgente substituição de seus tirantes, e de acordo com o IPT a colocação de cargas de som, iluminação e cenários poderia colocar em risco os artistas e a plateia.
Acabamos de resolver esse problema, em dezembro, depois de ter consertado o mau funcionamento do ar condicionado, que gerou desconforto às pessoas no verão passado. Viabilizamos a contratação do arquiteto Julio Katinsky, um dos autores do projeto de construção do Centro de Cultura Patrícia Galvão, que abriga o Teatro Municipal, o Teatro Rosinha Mastrângelo, o MISS (Museu de Imagem e do Som), a Hemeroteca Roldão Mendes Rosa, as Galerias de Artes Braz Cubas e as dependências da Secult, e o prefeito Paulo Alexandre Barbosa já aprovou o investimento de R$ 5 milhões (de recursos do DADE – Departamento de Apoio às Estâncias do Estado), em 2015, para iniciar a reforma completa.
Antes disso, e das obras já citadas do Teatro Municipal, realizamos reformas pontuais no MISS e na Hemeroteca. O Teatro Rosinha Mastrângelo teve as reformas suspensas por falta de recursos e pela demanda alta de reformas pela Secretaria de Serviços Públicos, que estava fazendo esse trabalho com orçamento próprio. As obras de revitalização da Concha Acústica estão praticamente prontas, dependendo agora dos acabamentos e equipamentos necessários para o monitoramento de som no local.
Em sua gestão, gostaria de ressaltar a criação do Letras Santistas, reeditando obras de autores da Cidade, e dos Portos de Cultura, descentralizando a formação em cada região da Cidade, além do projeto de catalogação do acervo artístico da Secult. Quais são as principais contribuições dessas três diferentes iniciativas para a Cidade?
O Projeto Letras Santistas vai possibilitar que a cidade acesse livros raros ou fora de catálogos das editoras convencionais. Inicialmente a Secult editará 12 autores e títulos, após uma seleção feita por escritores importantes e atuantes em Santos.
Os Portos de Cultura inovaram com a descentralização dos cursos, oficinas e espetáculos, antes concentrados no Centro de Cultura Patrícia Galvão, para chegar mais perto do povo, na Zona Noroeste, Morro, Área Continental, população de rua. Além da iniciação e de formação artísticas, há também um trabalho de formação de plateias.
Num dos Portos de Cultura, no Morro São Bento, instalamos a primeira unidade descentralizada da Escola de Bailado Municipal, sob a coordenação da Renata Pacheco. No Centro Cultural da Zona Noroeste, implantamos a primeira Sala de Cinema da região, o Cine ZN.
E em relação ao inventário do acervo artístico da Secult, cujas obras somam cerca de 847, vamos ter uma catalogação de cada quadro ou escultura, iniciando também a restauração dos mesmo, para depois disponibilizar o acesso para todos digitalmente.
Também durante a sua gestão, ocorreu a regulamentação para Organizações Sociais (OSs) em várias iniciativas, hoje financiadas e mantidas pela Secult. Qual será o legado desses futuros convênios com as entidades? Como a sociedade pode colaborar na fiscalização dessas parcerias?
A Cultura era a única área que podia compartilhar a gestão com OSs, porque havia uma lei de 2005, garantindo essa condição. No entanto ela nunca saiu do papel, mesmo sabendo do interesse dos responsáveis pela dança, pela Orquestra Sinfônica Municipal e pelo Teatro Coliseu. Nosso papel foi tirar da gaveta esse assunto e levar ao Concult para debater e conseguir as autorizações necessárias.
A repercussão foi tão positiva, que o governo municipal resolveu ampliar para outras áreas. Hoje a Secult é a secretaria em estágio mais avançado para viabilizar essas parcerias, que não significam abrir mão das responsabilidades, mas ter um contrato de metas a serem alcançadas e suprir setores como o de formação cultural, as bibliotecas, a música, o Teatro Coliseu, a dança e o Teatro Guarany com a Escola de Artes Cênicas, de maior agilidade e eficiência na solução dos problemas enfrentados atualmente.
O legado é a melhoria da qualidade da prestação de serviço público e a adoção de uma cultura de manutenção que as estruturas atuais não permitem. A sociedade poderá fiscalizar através do Concult, da Câmara Municipal e do MP (Ministério Público).
A última ação no Diário Oficial da Secult é referente ao planejamento do Plano Municipal de Cultura. Você também foi relator do Plano Estadual de Cultura. Como foi a sua experiência no processo estadual e como você avalia a necessidade de um plano em âmbito municipal?
Definimos e aprovamos no Concult um calendário e um cronograma para elaborarmos o primeiro Plano Municipal de Cultura da história de Santos. As ações serão desenvolvidas a partir do dia 12 de janeiro e preveem instâncias participativas, que serão valorizadas pelo Poder Público e reconhecidas como um norte a ser cumprido nos próximos 10 anos.
Sou membro-relator do Plano Estadual de Cultura, escolhido pela região para representá-la lá. Não estarei mais Secretário de Cultura de Santos durante esse processo, mas me coloco desde já à disposição dos participantes locais, oferecendo subsídios, com base no Plano Estadual e as diretrizes do Sistema Nacional de Cultura, que é a razão dessa nossa iniciativa.
Um Plano Municipal para 10 anos, podendo ser atualizado durante o seu cumprimento, significa um norte para o planejamento e para as expectativas da sociedade em relação à importância da Cultura no futuro.
A primeira promessa que anunciou em A Tribuna foi a digitalização de acervos da Secult. Como anda este projeto? E como este, que outras iniciativas que você projetava realizar entre 2015 e 2016?
Na Secult elaboramos o projeto para a digitalização dos acervos de periódicos (jornais e revistas) e nos associamos com a FAMS (Fundação Arquivo e Memória de Santos) para apresentá-lo ao Ministério da Cultura. O diretor técnico da Fundação, Sérgio Willians, que foi nosso secretário-adjunto até março de 2014, coordenou esse procedimento, aprovado com a possibilidade de captação de recursos da ordem de R$ 1,3 milhões com incentivo da Lei Rouanet.
Nossa ideia é digitalizar e, ao mesmo tempo, criar um setor de digitalização na FAMS, que a tornará uma prestadora de serviços nessa área para toda a região, principalmente. Outras iniciativas estavam associadas ao acompanhamento da realização ou execução de tudo o que planejamos e projetamos. Também estimávamos conquistar a autossuficiência do Carnaval e de alguns eventos tradicionais, articulando em escala parcerias com os governos do Estado e Federal, bem como com a iniciativa privada.
Você é categórico que estes foram os dois melhores anos de sua vida e, segundo jornais, já foi chamado para trabalhar no Governo Alckmin. Afinal, qual será seu novo trabalho?
Tive grandes experiências em minha vida. Sem dúvida, a oportunidade que tive em Santos é tão importante quanto a que tive, na década de 1990, sendo o primeiro secretário municipal do Meio Ambiente em Cubatão.
No entanto, ambas foram diferentes da experiência no Ministério da Educação, durante 8 anos como um dos principais assessores do ministro Paulo Renato Souza, no Governo do Presidente Fernando Henrique. Estar em Santos, 24 horas por dia, nesses dois anos, foi maravilhoso. Porque foi a minha primeira vez nos últimos 33 anos.
Foi muito bom me sentir em casa, perto da família, dos amigos e dos concidadãos. Aliás, a Câmara de Vereadores, me outorgou essa honra no início de dezembro passado – agora sou cidadão santista de direito, porque até então era apenas de fato.
Não fui chamado para trabalhar no Governo Alckmin, que é um companheiro de partido e que já servi em outras oportunidades. No momento preciso de uma trégua para comigo, tomar fôlego e prosseguir. Há muito a fazer!